Relacionamentos saudáveis são, por essência, construídos sobre a base do diálogo, da parceria e da troca constante. Quando um dos parceiros assume todas as decisões — desde as pequenas do dia a dia até as mais significativas — surge um desequilíbrio que pode minar a essência do vínculo a dois. Nesse contexto, a pergunta provocadora ganha força: quem decide tudo sozinho está, na prática, solteiro dentro da relação?
A falsa ideia de “liderança amorosa”
É comum que algumas pessoas associam autoridade e controle com cuidado e responsabilidade. No entanto, tomar todas as decisões sem considerar a vontade ou opinião do outro não é prova de amor — é sinal de desequilíbrio. Isso pode vir disfarçado de “alguém precisa resolver as coisas”, mas na prática, o que está acontecendo é um apagamento da individualidade do parceiro.
Um relacionamento onde apenas um pensa, escolhe, decide e impõe está mais próximo de uma ditadura afetiva do que de uma parceria. O outro passa a ocupar um papel secundário, quase decorativo, e isso, com o tempo, gera frustração, sensação de invisibilidade e solidão — mesmo estando dentro de um compromisso.
O isolamento dentro do vínculo
Estar em um relacionamento não significa apenas compartilhar uma casa, uma cama ou um sobrenome. Significa, acima de tudo, compartilhar a vida, os planos, os sonhos e até os problemas. Quando um toma decisões — desde o que será comprado no mercado até para onde vão viajar nas férias ou como será administrado o dinheiro — o outro passa a viver como um espectador da própria história.
Esse tipo de dinâmica é muito mais comum do que se imagina. E, muitas vezes, a pessoa que sofre esse apagamento demora a perceber que está, na prática, vivendo sozinha dentro da relação. Ela até tem um companheiro(a), mas não tem voz, não participa, não é ouvida. E essa ausência de participação ativa na construção do cotidiano transforma a convivência em uma experiência de solidão a dois.
A origem desse comportamento
As raízes desse comportamento podem estar em diversos lugares: em padrões familiares, em crenças machistas, em traumas ou simplesmente em uma personalidade controladora. Há quem tenha tanto medo de perder o controle ou de se frustrar que prefere decidir tudo sozinho, acreditando que só assim conseguirá garantir o que deseja. Outras vezes, isso acontece por comodismo: o outro se acostuma a sempre deixar as decisões nas mãos do parceiro, até que vira regra.
Seja qual for a origem, a verdade é que relacionamentos assim tendem a adoecer. A falta de equilíbrio e de participação transforma o que deveria ser uma relação de troca em um cenário de desgaste constante.
O silêncio que grita
Pior do que brigar é o silêncio. Quando um dos parceiros começa a aceitar tudo calado, a evitar opinar ou a simplesmente “deixar que o outro resolva”, não significa paz — significa renúncia. Renúncia à própria vontade, ao próprio desejo e, muitas vezes, à própria identidade.
Com o tempo, esse silêncio se torna um grito interno de abandono. A pessoa se sente sozinha, desvalorizada e começa a se perguntar por que ainda está ali. O afeto esfria, a admiração diminui e o relacionamento vai se esvaziando lentamente, até restar apenas a casca do que um dia foi uma relação.
Relação não é domínio, é construção
Tomar decisões sozinho pode parecer mais prático no início, mas é um hábito que mina a base da convivência. Quando há amor e respeito, há espaço para diálogo, para escuta, para construção conjunta. Nenhum relacionamento saudável se sustenta sem uma parceria verdadeira.
Estar junto não é estar por perto. É estar disponível, emocionalmente presente, disposto a ouvir e a ceder. É entender que o outro também tem ideias, vontades, sonhos — e que todos esses elementos merecem espaço para existir.
Como mudar essa dinâmica?
Se você sente que está vivendo em um relacionamento onde apenas um decide tudo, é hora de refletir. Algumas perguntas podem ajudar:
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Eu sou consultado(a) nas decisões importantes?
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Sinto que minha opinião tem peso?
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Tenho espaço para discordar ou sou silenciado(a)?
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Tenho liberdade para propor ideias e mudanças?
Se as respostas revelaram um padrão de apagamento, é importante conversar com o parceiro. Relações saudáveis se alimentam de diálogo, e é através dele que se pode construir uma nova forma de viver juntos, onde ambos participam e se sentem parte daquilo que estão construindo.
Se não houver abertura para mudança, talvez a resposta mais dura — e libertadora — seja aceitar que, sim, você está solteiro(a) dentro da relação. E, nesse caso, vale a pena se perguntar: vale a pena continuar? agenda31
Conclusão
Quem decide tudo sozinho dentro de uma relação não está exercendo poder — está negando a existência do outro. E quem vive assim, mesmo acompanhado, experimenta o mais cruel tipo de solidão: aquela que acontece lado a lado.
Relacionamentos não são sobre domínio, mas sobre colaboração. O amor de verdade escuta, acolhe, compartilha. E se não há espaço para isso, talvez seja hora de transformar, ou de partir. Porque antes de qualquer coisa, estar em um relacionamento deve ser estar inteiro — e não apenas presente.