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Os planejadores de Belo Horizonte podem ser acusados de um milhão de coisas, menos de uma: eles não se esqueceram do nosso abastecimento de água. A cidade foi construída aos pés da Serra do Curral, e os pequenos córregos, que descem a serra rumo ao ribeirão Arrudas, seriam os nossos mananciais. O córrego da Serra (hoje situado dentro do Parque das Mangabeiras), o córrego do Cercadinho (acima do bairro Buritis), e o córrego do Barreiro são alguns deles.

 

Mas Belo Horizonte foi pensada como uma pequena cidade administrativa, não como uma metrópole para milhões de habitantes. O seu crescimento explosivo, a partir dos anos 1950 e 1960, não estava previsto, e exigiu novas soluções para muitas coisas. Entre elas o abastecimento de água.

 

Então, com a construção do sistema Bela Fama, entrou em cena o rio das Velhas, o grande manancial de Belo Horizonte. Uma estação para tratamento de água, situada perto de Nova Lima, várias instalações para bombeamento e armazenamento, e também túneis da região do Taquaril. É por eles, por debaixo da Serra do Curral, que a água chega até Belo Horizonte.

 

 

Porém o rio das Velhas sozinho não era suficiente, e outros sistemas foram sendo construídos na Região Metropolitana. Eles ficam mais a oeste, já na bacia do rio Paraopeba: Serra Azul, Vargem das Flores e Rio Manso. São sistemas que incluem grandes represas, que funcionam como reserva de água para distribuição.

 

Hoje esses sistemas da bacia do Paraopeba estão praticamente em colapso. A estação chuvosa acaba de terminar, e as represas deveriam estar cheias. Mas o quadro que vemos é outro: Rio Manso com 50% de sua capacidade máxima, Vargem das Flores com 40%, Serra Azul com apenas 15%. Então o rio das Velhas está sendo usado, emergencialmente, para socorrer os sistemas da bacia do Paraopeba, com a transposição da sua água.

 

Eu já escrevi: até quando o rio das Velhas, sofrendo impactos ambientais variados em seu trecho acima de Belo Horizonte, e agora sobrecarregado com novas tarefas, irá suportar tudo isso?

 

Então chega ao meu conhecimento que uma obra está sendo realizada no rio Itabirito, principal afluente do rio da Velhas acima de Belo Horizonte. É um sistema de retirada de água para a mineração, projetado para bombear para fora do rio cerca de 300 litros por segundo.

 

Fazendo uma conta rápida: neste momento estão passando pelo rio das Velhas, em Bela Fama, cerca de 15.000 litros por segundo. Só para o funcionamento normal do sistema Bela Fama são utilizados uns 9.000 litros por segundo. Restariam 6.000 litros. Mas há a necessidade de “socorrer” os sistemas do rio Paraopeba com mais alguns milhares de litros – não consegui descobrir quantos. E não podemos simplesmente secar o rio das Velhas em Bela Fama, alguma água precisa descer em direção a Sabará. Para o uso dos moradores e empresas rio abaixo e por questões ambientais.

 

Quanta água estará realmente sobrando em Bela Fama?

 

Então descubro algo que me impressiona mais do que a obra no rio Itabirito em si: descubro que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas não tem conhecimento da obra.

 

Segundo a legislação os comitês de bacias hidrográficas são a base da gestão participativa e descentralizada das águas no Brasil. Neles o poder público, os usuários das águas (indústria, saneamento, mineração, agropecuária, entre outros) e a sociedade civil devem discutir, negociar e deliberar sobre a gestão.

 

Mas as águas do rio das Velhas em Bela Fama estão acabando, uma mineradora decide retirar uma parcela grande dessas águas (300 litros por segundo), o Estado concede a autorização e o Comitê da Bacia nem sabe disso?

 

A vazão do rio das Velhas irá diminuir até o final do ano, antes da chegada das chuvas da temporada 2015-2016. E os reservatórios da região do rio Paraopeba, da mesma forma, vão continuar esvaziando.

 

Só me resta fazer algumas perguntas desagradáveis:

 

Quantos litros de água estariam realmente sobrando, hoje, em Bela Fama?

 

E quando a vazão do rio em Bela Fama diminuir ainda mais, o que será feito?

 

Se faltar água para todos, a prioridade de uso (legalmente) seria o abastecimento de Belo Horizonte. Então os outros usuários (as mineradoras, por exemplo) ficariam sem essa água?

 

Ficando sem água, elas deixariam de produzir? Seus empregados, fornecedores e acionistas saberiam dos riscos dessa situação?

 

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas nem sabe o que acontece, então quem irá arbitrar esse grave conflito?

 

Para que serve então o Comitê?

 

E se a temporada de chuvas 2015-2016 for um fracasso? Com os reservatórios do sistema Paraopeba vazios e com o rio das Velhas cada vez mais seco, a solução será ir embora?

 

Na farra da água, o último a sair que apague a luz.

 

Se ainda tivermos energia.

 

 

 

Paulo André Barros Mendes

Geógrafo e jornalista, colaborador da ARCA


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