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Por Evanius Wiermann*

Todos concordamos que a comunicação pode ser uma forte arma durante uma consulta médica para estabelecer uma relação duradoura e cativa entre o profissional e seu cliente e, da mesma maneira, permitir que as informações científicas sejam traduzidas da melhor maneira possível para o interlocutor permitindo a este entender seu diagnóstico e avaliar cuidadosamente suas opções terapêuticas frente ao seu prognóstico, levando-se em conta também as potenciais complicações que tal terapia eventualmente poderiam acarretar a este paciente.

Diante disto, uma consulta com um oncologista, médico que trata o paciente com câncer, assume uma dimensão muito mais dramática, dado a gravidade da situação que na maioria das vezes se apresenta, o que acaba por testar as habilidades de comunicação do cancerologista, que tentará explicar situações complexas claramente, mas ao mesmo tempo, tendo um senso humanitário comum que revele empatia e compaixão neste contexto específico. Frente a este cenário, o profissional deve sempre estar atento a determinadas assertivas que quando ditas no consultório podem ter um efeito deletério sobre o cliente e sobre a relação a se formar, portanto, devemos nos atentar bastante a tais detalhes. Um texto recente publicado no blog do Dr. Craig Hildreth serviu como base para a produção do mesmo e algumas destas armadilhas serão aqui dirimidas para sempre lembrarmos como o colóquio médico pode ser instigante.



"Infelizmente tenho notícias ruins para dar." O cliente que procura o oncologista, na vasta maioria das vezes já o faz de posse de um diagnóstico pré-estabelecido e, então, as más notícias já foram transmitidas e a adoção de um tom melodramático durante a consulta em nada ajuda a se estabelecer uma relação de confiança entre as partes. Ser objetivo e evitar frases de efeito e pieguices é uma boa maneira de se manter uma postura que transmita respeito e credulidade num momento de muita fragilidade emociona, demonstrando ser um porto seguro para seu cliente.

"Por que não procurou seu médico antes quando se iniciaram os sintomas?" Além de já saber qual é a resposta a tal questionamento (negação...), aumentar a sensação de culpa do cliente não torna a situação menos grave naquele momento. Aborrecer o cliente com mais uma carga desnecessária de sentimentos negativos, relembrando-o do que deveria ter sido feito em tempo hábil (ele já sabe...) não traz melhores resultados para seu tratamento e ainda deixa-o mais depressivo e menos aderente à terapia. Temos que aproveitar este momento para também cientificar os familiares sobre os sintomas de alerta para que isto não se repita outras vezes, sempre poupando o paciente de um comportamento passivo agressivo de cobrança.

"Você está apenas gastando seu dinheiro tomando suplementos." Pacientes gostam de usar suplementos, pois acreditam que isto possa ajudar em seu tratamento reduzindo efeitos colaterais e também porque isto transmite uma sensação de que estejam tendo um papel ativo em sua recuperação. Sabemos claramente que algumas substâncias como o gengibre ajudam a reduzir as náuseas relacionadas ao tratamento, bem como o extrato de guaraná e de ginseng americano também poderiam minimizar a fadiga secundária à terapia oncológica. O papel do médico é evitar que o paciente ingira algo que faça mal à sua saúde, mas de outra forma, porque não permití-lo tomar seus suplementos. Neste interim, o consórcio multidispiciplinar de um nutricionista especializado pode trazer muita ajuda, pois também o suportaria em mudanças dietéticas salutares durante o processo terapêutico. Ainda assim, não podemos nos esquecer do efeito placebo que isto pode trazer, gerando mais aderência do paciente ao tratamento. Ainda assim, existem alguns indícios científicos recentes de que a suplementação suprafisiológica de vitaminas possa interferir negativamente com os resultados da quimioterapia e da doença, portanto um esclarecimento adequado pode ser bastante útil neste cenário, sem restrições amargas às crenças do indivíduo.

"Eu sugiro que você não saia da cidade". Caso nos esqueçamos, todo o propósito de se tratar um paciente com câncer reside no fato de se reduzir a chance de uma doença recidivar ou de melhorar o controle da mesma de forma que possamos manter a melhor rotina de vida do mesmo, que inclui comparecer a casamentos, aniversários e formaturas também. Atualmente, há recursos tecnológicos suficientes que permitem que os pacientes possam não só tratar, mas ter uma vida regular e, nesta caso, as viagens ou mesmo o regresso a sua cidade de origem quando ele se trata fora de domicílio fazem parte deste processo e não há motivos pelos quais os pacientes não possam fazê-lo. Uma equipe multidisciplinar que possa prover orientações adequadas acerca dos potenciais efeitos colaterais e de como reconhece-los, bem como dos sintomas de alerta de perigo a que os clientes devam estar atentos para contatar a equipe de plantão disponível ou procurar ajuda local é indispensável para reassegurar a ele a segurança e a tranquilidade para se afastar da cidade onde está sendo tratado.

"Se você não tivesse fumado, isto não teria acontecido a você". Seria inocência ou mesmo condescendência da parte do médico não imaginar que o paciente hoje não saiba da relação entre o tabagismo e o câncer ante a quantidade de informação exposta nas diversas formas de mídia. Então, um tabagista que entra em um consultório oncológico já sabe deste conceito e enchê-lo de mais culpa em nada traz ajuda ao processo terapêutico. Enquanto devemos sempre desestimular este hábito, especialmente durante o tratamento, dado que o cigarro pode reduzir a eficácia de alguns quimioterápicos, este processo deve ser acompanhado por especialista, dado que o abandono do vício é muito difícil e ele pode ser ajudado por medicações específicas para tal intenção. Independente disto, uma discussão abrangente sobre a relação do câncer tabaco-induzido pode servir de ponto de partida para se estimular a outros parentes a abandonarem o hábito tabágico, levando-se em consideração o também conhecido papel deletério do fumo passivo.

"Você tem (inserir aqui um número) meses de vida." Muitos pacientes querem saber sobre seu prognóstico de sobrevida, especialmente no contexto de doença avançada. Nenhum oncologista possui o dom da premonição. O que existe são dados de sobrevida média baseado em estudos clínicos publicados, a maior parte deles internacionais e nos quais a vasta maioria dos pacientes tratados em consultórios não se encaixaria nos perfis de inclusão dos mesmos, e portanto, mesmo estes são razoavelmente falíveis. Portanto, seria bastante fútil e sadista prenunciar a sobrevida de um paciente, até porque neste sentido a qualidade de vida tem um papel muito mais relevante que próprio tempo de sobrevida geral. Temos sim que trazer uma perspectiva real sobre o prognóstico do paciente sem omissões de informações, mas também sem gerar expectativa sobre um número "mágico" sobre o qual alguns tendam a se fiar. Ganhos terapêuticos e de qualidade de vida devem ser comemorados, enquanto insucessos (infelizmente frequentes em algumas doenças oncológicas) devem ser relatados e trabalhados para que o paciente saia mais maduro do processo, sempre com o suporte de uma assistência profissional psicológica para trazer conforto neste momento. Isto sim trará mais dignidade e tranquilidade ao cliente.

"Este tratamento não tem efeitos colaterais." Apesar de realmente haver alguns tratamentos menos tóxicos do que outros, é altamente improvável que este seja totalmente isento de para efeitos secundários, até porque tal questão é individualmente definida por questões genéticas: cada um tem uma reação diferente à exposição de uma mesma droga. Alguns certamente poderão apresentar queda de cabelo a medicamentos que não o fazem regularmente. Como tal questão é bastante variável, é importante que ratifiquemos aos clientes que a despeito do bom perfil geral de tolerância de uma determinada substância, algumas exceções podem acontecer, cientificando-o destas situações e evitando estresse posterior. A enfermagem oncológica tem papel fundamental neste quesito, pois ela tem um contato bastante próximo ao paciente durante as infusões terapêuticas e podem trazer grande benefício ao ratificarem as informações de forma mais repetida, melhorando o entendimento geral. Algumas drogas oncológicas têm efeitos específicos e distintos e uma revisão frequente com uma farmacêutica clínica da equipe também pode ajudar muito a reduzir tais sintomas, dado que muitos pacientes recebem vários medicamentos e já chegam aos consultórios oncológicos recebendo outras drogas para outras comorbidades concomitantes como pressão alta, diabetes, artrose, dentre outras. Uma revisão sistemática das interações medicamentosas pode reduzir bastante os efeitos deletérios do que chamamos de polifarmácia (uso combinado de várias medicações), aumentando assim a aderência e o sucesso da terapia oncológica.

Após estas considerações, sempre relembramos a relevância de se manter um espírito de positivismo, bom senso e empatia frente ao cliente oncológico. A atenção dispensada numa conversa deve trazer sempre uma mensagem de apoio e suporte, não importa o quão grave seja o caso, reduzindo ao máximo as dúvidas que o cliente apresente, por mais simples e inocentes que sejam (para ele isto é muito importante, se não ele não perguntaria). Atitudes assim podem trazer mais conforto e segurança ao tratamento, sempre se baseando num time multidisciplinar de especialidades que possa prover uma assistência integral ao paciente.


* Dr. Evanius Garcia Wiermann é oncologista clínico, chefe do serviço de Oncologia do Hospital VITA Curitiba e presidente nacional da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.


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